Reproduzo artigo postado em 20 de abril de 2011 no site do Luís Nassif.
Brasil deve retomar mineração de terras raras
Por Bruno de Pierro, no Brasilianas.orgDa Agência Dinheiro Vivo
A decisão do governo chinês de elevar os impostos sobre terras raras, no início de abril, tem preocupado muitos países que dependem da matéria-prima. O Brasil está entre as nações impactadas e já registra alta de até 200% no preço do neodímio comprado da China, segundo informaram distribuidores nacionais ouvidos pelo Brasilianas.org. A taxa de terras raras, antes cobrada no valor de 3 yuans a tonelada, agora pode variar entre 30 a 60 yuans.
O problema é agravado pelo fato da China deter 97% da produção mundial de terras raras, elementos minerais usados na fabricação de aparelhos de alta tecnologia, como notebooks e smartphones, até em componentes eletrônicos e espaciais. O super-ímã, por exemplo, feito a partir do neodímio, é encontrado em fones de ouvidos e porta-retratos, mas também discos-rígidos de computadores.
Os Estados Unidos, que também sofreram com as restrições da exportação chinesa, perceberam o ritmo de aumento dos impostos e decidiram, em janeiro deste ano, reativar Mountain Pass, a única mina de terras raras norte-americana. O Brasil - que nos anos 1990 explorou terras raras em areia monazítica, mas desativou a mineração por conta dos baixos preços chineses na época – está tomando as primeiras medidas para evitar uma crise, que pode atingir diversos setores industriais. Formou, no final de 2010, um grupo interministerial para incentivar estudos com a finalidade de retomar a mineração em áreas já identificadas.
Brasilianas.org conversou com Ronaldo Santos, pesquisador titular do Centro de Tecnologia Mineral (CETEM), instituição ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), para entender os argumentos da China e quais os caminhos que o Brasil deverá seguir nos próximos meses. Confira os principais trechos da entrevista a seguir.
Retomada da mineração de terras raras no Brasil
Falando tecnologicamente, o Brasil tem competência e possui grupos que estão distribuídos em centros de pesquisa governamentais, em instituições de pesquisa da área nuclear - pois, associada ao principal mineral portador de terras raras até então explorado no Brasil, a areia monazítica, há uma ocorrência de tório e urânio. Como eles são substâncias radioativas utilizadas pela indústria nuclear, elas passam a ser de interesse do setor nuclear. Há também outra possibilidade, relacionada à exploração de xenotima, no Norte do país, que, atualmente, é objeto de interesses de um grupo estrangeiro. Então, nós temos reservas, que precisam ser confirmadas. Temos várias ocorrências, e que precisam ser mais bem identificadas, mas há um interesse das empresas em explorar as terras raras, algo que até então não havia sido privilegiado.
Áreas de areia monazítica
Normalmente ela [a areia monazítica] ocorre no litoral e em calhas de rios. Mas também há ocorrências os solos associados a outros minerais. E, nesse momento, ela precisa de um desenvolvimento no fluxograma da sua recuperação e todas as suas etapas, como a separação. As etapas de mineração da areia monazítica não exigem muita tecnologia, mas, no Brasil, elas devem ser de certa forma, adaptadas a tecnologias básicas. Porque cada minério é um minério, e como isso ficou durante muito tempo adormecido, o trabalho que se tem que fazer é um trabalho plenamente do domínio brasileiro. Vários grupos que já trabalharam com isso tem, com certeza, em curto e médio prazo, capacitação para desenvolver os processos necessários para a extração de alguns elementos terras raras.
Brasil como player
Não acredito que demore dez anos [para o país voltar a ser grande produtor]. Um projeto de mineração normalmente leva de sete a dez anos para ser maturado. No caso das terras raras, há um importante componente, que é a demanda firme e estabelecida de setores, do elétrico ao de refino do petróleo, que, com o aporte de recursos dessas áreas, esse esforço possa ser acelerado. A grande vantagem é que não vamos ter que partir do zero, porque já existem estudos, que apenas precisam de confirmação. Confirmadas as reservas, e verificado que vale a pena do ponto de vista estratégico e econômico, podemos começar. Hoje, o aspecto econômico está prevalecendo, porém irá prevalecer o aspecto estratégico. A extração de terras raras é vital para todo país que quer ter o mínimo de independência e soberania.
Um novo minerador
Quem explorava areia monazítica no Brasil era unicamente a Orquima, que depois se transformou na Nuclemon e, depois, nas Indústrias Nucleares Brasileiras (INB). Era o único produtor em escala mundial, na época da demanda, que explorava as terras raras no Brasil. A CBMM tem, associada ao minério dela de nióbio, terras raras. Mas a CBMM aproveita apenas o nióbio, que não é terra rara. Provavelmente, se a CBMM quiser fazer essa recuperação, ela deverá estar atenta aos resíduos da produção do nióbio. Já houve uma iniciativa do CETEM, junto a CBMM, na construção de um estudo para a recuperação das substâncias que seriam economicamente interessantes, na recuperação das escórias da produção do nióbio. Mas, naquele momento, não foi manifestado interesse de que se fosse fazer o aproveitamento das terras raras. Há terras raras contidas nos resíduos da produção de titânio, assim como na produção de aço fosfórico.
Aumento da concorrência no mundo
Os EUA possuem uma vantagem, pois tem estrutura de alta tecnologia, de produção dos produtos de alta tecnologia, e tinham uma mina que já voltou a operar. Mountain Pass [como é chamada a mina] voltou a operar no início do ano, em janeiro, e deve retomar a plena produção até 2014. A expectativa é de 20 mil toneladas por ano. O Brasil já está tomando as medidas para fazer o mesmo, pois já está sofrendo os reflexos da atitude da China. Mas os distribuidores e os compradores nacionais ainda vão sofrer durante o tempo por conta dessas restrições.
Ainda existem poucos projetos sendo implementados no mundo – no Canadá, na Austrália, na África, e até países da antiga República Socialista Soviética, que possuem minerações e indústrias de preparação dos insumos de terras raras. Estão sendo feitos investimentos, e se tem a expectativa de se superar a dificuldade de fornecimento imposta pela China. Não posso dizer, no entanto, se os EUA vão abrir mão da única mina que ele tem em operação, para vender insumos de terras raras para outros.
O preço das commodities está extremamente alto e artificial. [Com a retomada da exploração em alguns países], deve cair [o preço], mas não aos níveis de cinco anos atrás. Isso é algo que já vinha se delineando. Desde 2002, os preços dos insumos de terras raras vinham crescendo, mas isso era uma atitude que vinha acontecendo com o mundo inteiro, tanto no Ocidente, quanto no Oriente. Os parceiros tradicionais dos chineses, denominadamente os japoneses, a Coréia do Sul e a Malásia, já estão buscando alternativas e se associando com outros grupos.
Questão de soberania
O viés que se tem dado a esse assunto é principalmente o econômico. Mas o viés que deve ser considerado é muito mais o de estratégia e de soberania. Não há nenhum sistema de defesa ou de orientação de mísseis e espacial que não utilize elementos, nos seus componentes, de terras raras. Um dos argumentos da China para impor as restrições foi a questão ambiental, mas ei, particularmente, não acredito muito nisso. A China pode ter várias argumentações, inclusive de que se trata de soberania nacional, e que ela não pode prescindir disso. Mas será que é apenas isso? Eles são muito hábeis para negociar, é uma cultura milenar. Temos muito que aprender com os chineses. O império chinês já deu demonstrações de sua força na história.
Rede de estudos
Não estamos isolados. Temos competência em parcerias com diversas universidades, como UFMG, Unicamp, UFSC, USP, além do IPT, Instituto de Pesquisas Nucleares (IPEN), Instituto de Energia Nuclear (IEN), Centro de Desenvolvimento e Tecnologia Nuclear (CDTN). Está no momento de reforçar que há competência. O problema maior agora é o Brasil pensar as terras raras como um assunto prioritário, e preparar a mão de obra especializada para isso. Os especialistas e pesquisadores estão se aposentando, e há falta de engenheiros de minas e geólogos, por exemplo.
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